Entre Nós - Final: Marcos


Naquela noite jantei com a família de Fernanda. Passei horas brincando com Sofia, pensando que aquela poderia ser a minha bebê, a minha família, que eu iria proteger de tudo e de todos. Mas eu olhava fundo nos olhos de Nanda e já não conseguia encontrar a camaradagem que um dia fez parte de nossas vidas. A coragem começava a falhar, o medo de perdê-la de novo, fazia meu coração bater mais que o normal e provocava desconfortos em meu estômago. Senti minhas pernas começarem a tremer. A voz parecia não querer sair. Olhava para os seus olhos castanhos tentando encontrar algum conforto. Senti sua mão gelada, talvez pelo medo do que poderia acontecer, em meus ombros, seus dedos apertavam um pouco, era como se ela entendesse o que eu estava sentindo, o que eu pedia. Falei de uma vez, sem tropeços, segurando choros, o que não havia contado a ninguém:
- Eu estou com câncer. Só tenho alguns meses.
Seus olhos passaram a não encarar os meus, o medo de não vê-los tornava-se cada vez maior, era como se eu não conseguisse mais lutar. Eu sabia que não deveria tentar encontra-la, como eu fui idiota em acreditar que havia uma possibilidade dela estar esperando por mim, o que me fez acreditar nisto?
Passamos a sair, andar na praia, ver o pôr do sol, nos encontramos até na nossa árvore, era como se estivéssemos na mesma sintonia, voltamos a ser melhores amigos e quem sabe não teríamos de volta a cumplicidade, o carinho, a confiança que nos foi tirada. Ela tinha mudado, estava mais madura, mais confiante e bela. Provavelmente eu não mudei tanto quanto ela, mas tenho certeza que o amor era o mesmo, mas de repente ela parou, olhou em meus olhos, meu coração parecia que iria parar de bater, os meus pés começaram a sair do chão, será que tudo voltaria a ser como antes? E então ela falou:
- Eu sinto muito.
E correu. Não sabia se corria atrás dela, se ficava ali parado, deixava-a ir e depois tenta conversar com ela. As lágrimas começavam a cair, era como se tivesse acontecendo tudo de novo, a noite do baile de formatura voltou, o sentimento era o mesmo, a dor era a mesma, não, talvez fosse maior. O vazio era quase insuportável.
Voltei para casa, para minha vida. Não recebi nenhuma mensagem de texto, olhava fixamente para o celular como se minha intimidação fosse fazê-lo tocar. A saudade ia se tornando cada vez mais aceitável. Talvez não fossemos para dar certo.
Comecei a andar, a quimioterapia estava me deixando muito fraco. Passei a visitar os lugares que estivemos pela última vez. E eu brigava com os sentimentos, já estava na hora de aceitar que tudo aquilo não passava de ilusão, ela nunca voltaria para mim. Mas como seria bom tê-la ao meu lado, brincar mais uma vez com as mechas de seu cabelo. Sentir o vento no rosto, segurar sua mão, ouvir sua voz me contando algum segredo. E bom ver aquele sorriso. Saber que mesmo com a distância eu sempre fui o amor da sua vida.
A sombra da árvore ainda era capaz de me proteger dos raios solares. Sentei-me, procurando absorver as lembranças que aquele lugar produzia em mim. De repente a vi, ela parou, meu coração gritava e eu tentava controla-lo. Quando vi já estava implorando:
- Por favor, fique.
Não levantei a cabeça, pois sabia que seria muito difícil olhar para o seus rosto, ver em seus olhos o que os meus não suportavam aceitar.  Senti sua mão gelada, como costumavam ficar quando ela estava insegura, provavelmente a única coisa que não tinha mudado. Meu coração começou a ficar cada vez mais apertado, agora era quase impossível  segurar as lágrimas, como eu queria poder tê-la em meus braços. Levantei-me bruscamente, senti seus dedos gelados, soltando os meus aos poucos, como se lutassem para ficarem juntos. Com a cabeça ainda baixa comecei a andar, não queria olhar seus olhos, não queria sentir sua dor e muito menos a minha. Quando dei o segundo passo a ouvi sussurrar:
- Eu sempre vou amar você.
Sorri. Por alguns minutos meu coração se acalmou.
Depois daquele dia nunca mais procurei Fernanda, evitava todos os lugares que poderia encontra-la. Agora, nesses últimos meses fui ficando cada vez mais fraco, não existia a vontade de lutar e acabei ficando no hospital. Como não conseguia mais escrever pedi para Márcia me ajudar. Queria me despedir dela. Esse sempre foi o meu único desejo.
"Querida Nanda, não sei como você está, mas quero que saiba que só de te ver feliz meu coração se sente mais protegido. "
As palavras pareciam doer mais do que o normal agora.
"Não sei se você sabe, mas eu te amei muito, continuo te amando. Queria que você fosse para sempre minha..."
Os minutos passavam. Era cada vez mais difícil falar, eu estava muito cansado, mas continuei a ditar as palavras, queria poder colocar todo amor que eu tinha antes que ele não passasse de lembrança perdida em algum canto escuro.
"Bom... Acho que é isso. E antes que eu parta peço que não fiques triste, pois onde eu estiver estarei feliz por poder cuidar de você.”
Fiz questão de escrever as últimas palavras, um pouco tremidas, pois já não conseguia segurar a caneta como antes. No fim tudo se resumia a estas três palavras: “Eu te amo”.

___Ruana Lins

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